Aceitação
Pelas minhas raízes vem-me a ideia de que toda a ideia
funcional para que a humanidade transforme a sua consciência, parte de um
qualquer paradoxo. Sendo assim, eventualmente, a aceitação de todas as coisas,
tal qual elas são, seria o motor de transformação desta humanidade atual numa
humanidade harmoniosa. - A aceitação da guerra, a aceitação da desarmonia, a
aceitação da injustiça, a aceitação da falsidade, a aceitação da educação
castradora, etc. – será essa a alavanca? Puxaremos nós a alavanca para que a
cabina deficiente desta carruagem se descole e se perca no indefinido,
aceitando? Não o sei. Consideremos que seja essa a resposta, ainda assim. Quão difícil
é aceitar a fraqueza, a dor, a rejeição, a subjetividade universal, sendo que é
essa dificuldade astronómica que me empurra o espírito em busca de respostas.
Deparo-me com uma contradição ridícula – ridícula ao estilo do universo que ora
é ora não é, ao estilo de tudo o que existia há pouco e que agora já não
existe. Tudo isto é ridículo – assim – porquê e para quê preocupar-me?
Ainda assim, nem tudo é ridículo, pois não consigo
considerar coisas como o crime e a corrupção ridículas, porque me atormentam o
espirito. Será a tormenta uma pista? Não! Raios! Isso é aquilo a que se tem
recorrido ao longo de toda a história desta falha humanidade – subjugação daquele
que se encontra só, fraco, vulnerável, pelo coletivo, através da tormenta - atormentando
um espirito que, como qualquer outro, procura ser livre. Neste momento
pergunto-me: Haverá, neste universo, algum Ser que, sentindo-se preso a algo,
não tenha a simples e natural pretensão de se tornar livre (nem que essa vontade
esteja bem enterrada no fundo do seu Ser)? Se tal Ser existir ele já pratica a
aceitação, de uma forma inata e, portanto, não nos preocupemos com este
hipotético Ser, para já. – Todo o Ser está, em todo caso, preso a algo, preso a
si mesmo. Neste ponto dá-me um certo prazer entender que a aceitação
significaria a libertação de todos os desejos do indivíduo, ainda que fosse uma
libertação gradual, - a libertação de todos os desejos do Ser que acredita
existir (mas acreditar existir não levará a desejar?).
As pessoas estão cansadas de acreditar.
A dificuldade para com a prática da aceitação é o principal obstáculo
(o único?) com que me deparo. Se é, para mim, tão difícil aceitar certas coisas
(mas ninguém disse que era fácil!) – eu que pretendo, acima de tudo, mudar a consciência
da humanidade inteira (gradualmente) – como será possível essa aceitação no
seio consciente de quem não quer mudar coisa nenhuma (e haverá algum ser assim
neste mundo?). Volto à mesmíssima questão irrespondível. Acredito que existe
muita gente por aí que mesmo sentindo-se presa não pretende mudar seja o que
for, ou seja, essa gente, que está conformada, aceita aquilo que lhe é imposto
por terceiros. Neste caso, trata-se de aceitação, ainda que em subjugação,
ninguém o pode negar. Esta gente aceita ser um pau mandado. – E mesmo que não fosse
um pau mandado de outra pessoa ou grupo, seria, de qualquer das formas, um pau
mandado do Universo como, de resto, todos o somos de uma forma inconsciente.
Nada mais a dizer em relação a esta gente, falando dela como de um grupo à
parte.
O verdadeiro sábio é aquele que praticou a aceitação durante
toda a sua vida – a sua grande batalha foi a prática paciente da aceitação. Só
ele pode reconhecer o irreconhecível por ter praticado aquilo que, humanamente,
parece impossível. – Uma profunda aceitação de tudo o que o rodeia e o move,
até que ele sinta dor – aí, a aceitação atinge o seu nível máximo – aí, podemos
compreender que a sua aceitação é imparcial, que partiu da sua essência
(pensemos apenas sobre isso, visto que não nos é permitido sentir a Sua dor).
Uma constante repetição deste processo de aceitação, ora
aceitando ora reparando que caímos no hábito de não aceitar determinada coisa e
passando, de seguida, à aceitação do que sucedeu, isto é, do vício da reação,
levará as diferentes camadas do Ser a entrarem em harmonia, pois a nossa essência
começa a aceitar esta nova forma de estar, esta nova realidade. Quanta mais dor
for sentida, maior e mais profunda será a transformação a ocorrer nesse
determinado momento e, como tudo o que desce sobe e tudo o que vai, vem, devido
a Leis Universais, o prazer chegará mais inteiro também – mais inteiro do que
chegava quando a aceitação não era praticada por inteiro e conscientemente -, a
seu tempo.
Há que ser o mais perseverante possível para que a
derradeira transformação ocorra em nós. Por muito que se queira ser
transformado rápida e imediatamente, esta transformação é, obrigatoriamente – é
o universo que a comanda e induz, sempre no seu passo indefinido – gradual. Relembro
que, só se a vontade de mudança for imparcial é que esta transformação é possível.
Tem de haver, também, uma compreensão intima sobre a natureza deste processo
para que ele se dê deveras. É o trabalho de toda uma vida, mas os frutos serão
mais docinhos, e mais reais, desta vez, nas apanhas que seguirem este processo
e a apanha será feita de rabo, e não de cabeça, para o ar (deixemo-los cair da
árvore da nossa vida, no chão da nossa consciência).
Isto não é uma promessa, mas antes uma descrição daquilo
que, afinal, não sei se existe ou não. Terei de ser eu a experimentar –
arriscar a vida, pela via da fome do espirito, até que os frutos caiam,
madurinhos, na minha consciência macia.