Wednesday 23 January 2013


Aceitação

 

Pelas minhas raízes vem-me a ideia de que toda a ideia funcional para que a humanidade transforme a sua consciência, parte de um qualquer paradoxo. Sendo assim, eventualmente, a aceitação de todas as coisas, tal qual elas são, seria o motor de transformação desta humanidade atual numa humanidade harmoniosa. - A aceitação da guerra, a aceitação da desarmonia, a aceitação da injustiça, a aceitação da falsidade, a aceitação da educação castradora, etc. – será essa a alavanca? Puxaremos nós a alavanca para que a cabina deficiente desta carruagem se descole e se perca no indefinido, aceitando? Não o sei. Consideremos que seja essa a resposta, ainda assim. Quão difícil é aceitar a fraqueza, a dor, a rejeição, a subjetividade universal, sendo que é essa dificuldade astronómica que me empurra o espírito em busca de respostas. Deparo-me com uma contradição ridícula – ridícula ao estilo do universo que ora é ora não é, ao estilo de tudo o que existia há pouco e que agora já não existe. Tudo isto é ridículo – assim – porquê e para quê preocupar-me?

Ainda assim, nem tudo é ridículo, pois não consigo considerar coisas como o crime e a corrupção ridículas, porque me atormentam o espirito. Será a tormenta uma pista? Não! Raios! Isso é aquilo a que se tem recorrido ao longo de toda a história desta falha humanidade – subjugação daquele que se encontra só, fraco, vulnerável, pelo coletivo, através da tormenta - atormentando um espirito que, como qualquer outro, procura ser livre. Neste momento pergunto-me: Haverá, neste universo, algum Ser que, sentindo-se preso a algo, não tenha a simples e natural pretensão de se tornar livre (nem que essa vontade esteja bem enterrada no fundo do seu Ser)? Se tal Ser existir ele já pratica a aceitação, de uma forma inata e, portanto, não nos preocupemos com este hipotético Ser, para já. – Todo o Ser está, em todo caso, preso a algo, preso a si mesmo. Neste ponto dá-me um certo prazer entender que a aceitação significaria a libertação de todos os desejos do indivíduo, ainda que fosse uma libertação gradual, - a libertação de todos os desejos do Ser que acredita existir (mas acreditar existir não levará a desejar?).

As pessoas estão cansadas de acreditar.

A dificuldade para com a prática da aceitação é o principal obstáculo (o único?) com que me deparo. Se é, para mim, tão difícil aceitar certas coisas (mas ninguém disse que era fácil!) – eu que pretendo, acima de tudo, mudar a consciência da humanidade inteira (gradualmente) – como será possível essa aceitação no seio consciente de quem não quer mudar coisa nenhuma (e haverá algum ser assim neste mundo?). Volto à mesmíssima questão irrespondível. Acredito que existe muita gente por aí que mesmo sentindo-se presa não pretende mudar seja o que for, ou seja, essa gente, que está conformada, aceita aquilo que lhe é imposto por terceiros. Neste caso, trata-se de aceitação, ainda que em subjugação, ninguém o pode negar. Esta gente aceita ser um pau mandado. – E mesmo que não fosse um pau mandado de outra pessoa ou grupo, seria, de qualquer das formas, um pau mandado do Universo como, de resto, todos o somos de uma forma inconsciente. Nada mais a dizer em relação a esta gente, falando dela como de um grupo à parte.

O verdadeiro sábio é aquele que praticou a aceitação durante toda a sua vida – a sua grande batalha foi a prática paciente da aceitação. Só ele pode reconhecer o irreconhecível por ter praticado aquilo que, humanamente, parece impossível. – Uma profunda aceitação de tudo o que o rodeia e o move, até que ele sinta dor – aí, a aceitação atinge o seu nível máximo – aí, podemos compreender que a sua aceitação é imparcial, que partiu da sua essência (pensemos apenas sobre isso, visto que não nos é permitido sentir a Sua dor).

Uma constante repetição deste processo de aceitação, ora aceitando ora reparando que caímos no hábito de não aceitar determinada coisa e passando, de seguida, à aceitação do que sucedeu, isto é, do vício da reação, levará as diferentes camadas do Ser a entrarem em harmonia, pois a nossa essência começa a aceitar esta nova forma de estar, esta nova realidade. Quanta mais dor for sentida, maior e mais profunda será a transformação a ocorrer nesse determinado momento e, como tudo o que desce sobe e tudo o que vai, vem, devido a Leis Universais, o prazer chegará mais inteiro também – mais inteiro do que chegava quando a aceitação não era praticada por inteiro e conscientemente -, a seu tempo.

Há que ser o mais perseverante possível para que a derradeira transformação ocorra em nós. Por muito que se queira ser transformado rápida e imediatamente, esta transformação é, obrigatoriamente – é o universo que a comanda e induz, sempre no seu passo indefinido – gradual. Relembro que, só se a vontade de mudança for imparcial é que esta transformação é possível. Tem de haver, também, uma compreensão intima sobre a natureza deste processo para que ele se dê deveras. É o trabalho de toda uma vida, mas os frutos serão mais docinhos, e mais reais, desta vez, nas apanhas que seguirem este processo e a apanha será feita de rabo, e não de cabeça, para o ar (deixemo-los cair da árvore da nossa vida, no chão da nossa consciência).

Isto não é uma promessa, mas antes uma descrição daquilo que, afinal, não sei se existe ou não. Terei de ser eu a experimentar – arriscar a vida, pela via da fome do espirito, até que os frutos caiam, madurinhos, na minha consciência macia.